quinta-feira, 15 de maio de 2014

O ballet clássico e o tempo

Eu gosto de fazer tricô e estou na fase de passar do cachecol a outras peças. Mas qualquer pessoa que começa a tricotar, sabe: é preciso paciência. Além disso, a grande graça está em fazer a peça e não simplesmente vê-la pronta. Quem quer apenas a blusa, é mais fácil e rápido comprá-la em uma loja.

Mas não existem lojas de técnica clássica, tampouco de atributos necessários para dançar. Por isso, para ser flexível, melhorar o en dehors e fazer uma bela diagonal, você terá de seguir o caminho mais difícil: estudar e treinar.

O ballet clássico tem mais de 300 anos e não existe apenas uma maneira de aprendê-lo, e cada qual tem a sua própria relação com a dança. Mesmo assim, existe algo igual para todo mundo. É preciso tempo. Não, você não sairá dançando com apenas dois meses de aula. Você não terá um excelente trabalho de pontas em um semestre. Não vai. Não adianta dizer que sim, brigar comigo, falar que você é diferente, que sua professora/mestra/mentora disse que sim. Porque isso não é uma questão de opinião.


“Ah, mas a Sylvie Guillem chegou ao mais alto posto da Ópera de Paris com apenas oito anos de ballet clássico.” Ela é exceção. E quem também é exceção, não está preocupado em acelerar o processo de aprendizagem, pelo simples fato de não precisar disso. E se você quer pular etapas, você é regra, como 99,99% de quem dança.

É preciso percorrer um longo caminho para sentir o ballet no nosso corpo. Eu demorei pelo menos três anos para isso. Hoje, o plié está em mim e não preciso pensar tanto nele para realizá-lo. Significa que o faço perfeitamente? Claro que não. Mas ao pensar no plié, meu corpo já se prepara para o movimento. Para isso, foram alguns anos de treino, não foi do dia para a noite.

Ainda há muitos movimentos e sequências pela frente. Tenho muito a fazer. Ainda não domino o trabalho de pontas, mas não tenho pressa, porque esse domínio chegará apenas quando eu não precisar pensar no eixo e na força do meu corpo para não desequilibrar.

Mas eu gosto de caminhar. Todo caminho é construído ao longo do tempo. Toda arte é assim.

Aceito, entendo e compreendo que muitas pessoas veem o ballet clássico com outros olhos. Só fui perceber isso agora, depois de anos escrevendo sobre ele. Há pessoas que têm no ballet a sua jornada pessoal. Ele é o seu Monte Everest e toda a jornada só valerá a pena quando chegarem ao topo e fincarem a bandeira.

Aí entra a angústia de conseguir a perna alta, a pirueta tripla, os fouettés, a hiperextensão. Como se não existisse dança sem isso. Oras, a menos que você seja bailarina clássica profissional, e nesse caso a questão é completamente outra, isso não é necessário, ou não deveria ser. A menos que exista a jornada rumo às medalhas imaginárias, em que ostentamos algo que fará nos sentirmos vitoriosos.

Não estou fazendo juízo de valor, tudo bem? Querer isso é legítimo. Mas, por favor, assumam essa postura. “Eu quero chegar lá.”


Existe a arte, existe a jornada pessoal. O artista só existe se as suas criações saem da esfera particular e encontram o outro, quando sua obra estará finalmente concluída. O pessoal existe quando as minhas conquistas me bastam, porque lutei por elas com afinco e as almejei por muito tempo.

Ambos podem coexistir? Sim, mas são diferentes. E reconhecer essa diferença diminui todos os desgastes existentes entre quem quer uma coisa e quem quer outra.

Daqui em diante, serei mais flexível com aquelas pessoas que veem na dança a sua jornada pessoal. É meu dever respeitá-las e jamais diminuir os seus objetivos.

Mas, por favor, respeitem o fato do ballet clássico ser arte para mim. É assim que eu o vejo e é assim que ele existe na minha vida.

Por isso, sempre defenderei o tempo das coisas. O tempo da técnica. O tempo do estudo. O tempo do conhecimento do próprio corpo. O tempo do palco. O tempo da dança.

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