Cena do filme "Cisne Negro" de Darren Aronofsky |
No dia 17 de janeiro, Sergei Filin, diretor artístico do Bolshoi Ballet, foi ferido com ácido no rosto e nos olhos. Segundo o boletim médico, ele não corre o risco de perder a visão e sua recuperação demorará, pelo menos, seis meses.
Sei que tudo isso vocês já sabem. Li a respeito logo depois do acontecido, porque os blogs internacionais divulgaram a informação pouco tempo depois. Quando os portais brasileiros começaram a noticiar o assunto, várias pessoas o comentaram comigo. Parece que o tempo todo, alguém me dizia implicitamente: “Você não vai falar sobre isso?”.
Hoje, o jornal Folha de S.Paulo publicou um depoimento da Mariana Gomes, bailarina brasileira que faz parte do Bolshoi Ballet. É bem triste, chega a angustiar. O texto completo pode ser lido aqui. Depois que o li, duas pessoas mandaram o link para mim. Percebi que era melhor falar sobre o assunto.
Quando “Black Swan” estreou, quem se lembra das mil críticas ao filme? O mundo do ballet ficou em polvorosa. Nem precisa ir muito longe, aqui no blog mesmo há dezenas de comentários. Porque era um absurdo, porque nada era daquele jeito, porque aquilo era um desrespeito ao ballet clássico, porque Darren Aronofsky denegriu a nossa imagem.
A realidade superou a ficção. Cadê as críticas sobre tamanho absurdo? Cadê todo mundo falando que as coisas não são desse jeito? Um diretor está com queimaduras de terceiro grau em seu rosto e seus olhos, provavelmente, por disputas dentro de uma companhia de ballet. Será que alguém realmente percebeu a gravidade da situação?
Não podemos nos iludir. Isso não foi algo da Rússia, de Moscou, do Bolshoi. Essa ambição desmedida que dá voz à crueldade está à espreita em todos os cantos. A diferença é que alguém foi covarde o suficiente para partir da ideia à ação. Mas em pensamento, muito ácido já foi jogado uns nos outros. No ballet, meio mundo está corroído por dentro. Mas antes, ninguém poderia abrir a boca sobre isso, falar era o suficiente para ser julgado. Agora, a ferida está exposta.
Acho que existe um problema no centro da questão. Estamos falando de artistas que dedicam a sua vida inteira, desde a infância, por um propósito que ninguém sabe se será realizado. Poucos fazem parte de companhias. Raros chegam ao posto de primeiros-bailarinos. O restante, vai deixando seus sonhos pelo caminho. Justifica? Claro que não. Mas o ballet clássico funciona dentro de um sistema que estimula o pior das pessoas. Eu disse o sistema, não o ballet clássico. A dança é o que é. O que as pessoas fazem disso é o ponto-chave.
E o que aconteceu não é exclusividade da dança, existe em praticamente todas as áreas. No mundo, o que vale é a vaidade. A realização a qualquer preço. O topo da pirâmide. E aí, vamos continuar vivendo assim? Enquanto isso for estimulado, nada vai mudar.
No ballet, a vaidade é vista como um mérito. Não é. A ambição desmedida é vista como necessária. Não é. A competição é tida como imprescindível. Não é. Ou todos acordamos, ou é daqui para pior.
De tudo isso, o mais importante é a recuperação do Sergei Filin. Gostaria, sinceramente, que o seu retorno fosse no palco. Seria lindo vê-lo dançar totalmente recuperado. Seria uma prova de que a arte é maior. De que o amor pelo palco e pelas pessoas é maior. De que todos nós somos maiores do que tudo isso.
Tenho cá para mim que, um dia, tudo vai mudar.
Por Cássia Pires via Dos passos da bailarina
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